domingo, 7 de fevereiro de 2010

O DRAGÃO DO TERRENO BALDIO

Ao lado da minha casa, existe um terreno baldio. Capim e plantas daninhas crescem no solo com velocidade alarmante, obrigando o anônimo proprietário a pagar dois jardineiros para limpar o local. Eles aparecem de tempos em tempos com suas foices e máquinas barulhentas, com serras giratórias que gritam de forma estridente. É sempre um alívio quando eles chegam, pois o mato alto pode servir de abrigo para ladrões. Desconfiança que me força a ficar atento, sempre que chego em casa de madrugada.

Há poucos dias eu estava saindo da garagem, quando vi um estranho movimento no limite entre o terreno e a rua. Era uma oscilação tranqüila, reptiliana. Parei o carro para olhar melhor o grande lagarto que desaparecia entre as folhas, a comprida cauda com listras amarelas se arrastando sem pressa. “É um teiú”, identifiquei de imediato. Para alguém nascido na cidade grande, há algo de mágico em ver um animal silvestre de perto, ainda mais tão próximo de nosso lar. De fato, é uma das poucas coisas legais de morar no interior.

O mato já estava meio alto, o que indicava que os jardineiros viriam logo. Isso me preocupou um pouco, pois o réptil poderia ser ferido involuntariamente. Ou voluntariamente, pois sempre preciso lembrar que nem todo mundo gosta de animais como eu.

Ao voltar para casa mais tarde, fiz uma busca pelo terreno, vencendo meu receito dos insetos e aranhas. Sei que parece frescura, mas é que sou alérgico. Enfim, minha idéia era capturar o animal e levá-lo para alguma mata próxima. Já trabalhei em um zoológico, e tenho uma leve noção de como lidar com répteis. Porém, após procurar um pouco, desisti; há muitos buracos e troncos ocos onde um lagarto como aquele poderia se esconder. Procurei me conformar, sabendo que esses animais são espertos, e fogem rapidamente quando escutam uma ameaça próxima. O que poderia fazer além de torcer pelo melhor? Bem, eu sempre via quando os jardineiros chegavam, então estava decidido a conversar com eles antes que começassem seu trabalho. Isso deveria bastar para que tomassem cuidado.

Nos dias seguintes, sempre dava uma olhada no terreno baldio ao sair de casa, esperando algum sinal do novo vizinho. Não tive sucesso. Mesmo assim, era agradável pensar que havia um monstro, um dragão escondido por ali. Uma criatura do tempo dos dinossauros, espreitando entre o capim com seus olhos frios, inquietantes. Na minha imaginação, o terreno agora era um cenário pré-histórico, com alguma coisa selvagem rondando nas sombras.

Mas na última quinta-feira, ao voltar para casa, vi o animal parado junto ao meio-fio. Sua imobilidade me pareceu... errada. Estacionei o carro e fui olhar, com o coração aos pulos. Paradoxalmente, desejava que ele não estivesse lá quando eu chegasse. Queria vê-lo fugindo para longe, com aquele andar balançante que os répteis fazem ao correr, a cauda estalando como o chicote de um deus pagão e enlouquecido.

Mas eu tentava me iludir, pois já sabia que ele estava morto. Uma porção do estômago jazia fora do corpo coberto de formigas, indicando que algum trauma causara sua morte. Atropelamento? Ataque de cães vadios? Maldade das crianças que estão sempre brincando por ali? Quem sabe...

Gostaria de ter sido menos preguiçoso, menos acomodado. Queria ter tido mais empenho em levá-lo para um lugar seguro. Mas essas são reflexões vãs, de alguém que não sabe se conseguiria salvar o bichinho.

A única coisa que sei é que sinto um vazio esquisito ao olhar para a antiga floresta pré-histórica, que voltou a ser um mero terreno baldio.

4 comentários:

L.F. Riesemberg disse...

Me identifiquei muito com seu texto (que até agora não sei se é sobre um caso real ou imaginário), pois ao lado da minha casa também há um terreno baldio, onde aparecem lagartos e outros animais, às vezes mortos. Neste fim de semana apareceu uma cobra no vizinho da frente, que entrou por um ralo aberto. Esses dias vi um porco-espinho também. A fome obriga os pobres a virem cada vez mais perto dos humanos atrás de comida...

Mario Carneiro Jr. disse...

É, Riesemberg, isso é um problema. Um problema sério, de solução difícil. Pena.

Unknown disse...

Ficou muito bacana o conto ou crônica. Uma pena realmente, caso tenha sido um relato real.

Já salvei alguns gambás e morcegos quando morava em Niterói, RJ. Também micos vinham à minha casa frequentemente e eu mimava os bichinhos com frutas que eu colocava num galho alto de árvore.

Já vi um lagartão assim quando fui a Fortaleza, onde meu irmão morou por uns anos. Felizmente, havia muita área verde por lá e o trânsito de veículos era pequeno. Imagino que ele não tenha tido um triste fim como o "seu" teiú.

Abraço!

Mario Carneiro Jr. disse...

Valeu, Rubem. Sempre que posso, também salvo os bichos que entram acidentalmente em minha casa. Que bom que não sou o único com consciência ecológica (de fato, escritores de horror costumam gostar de animais; você e o Riesemberg não são exceção). E espero que o "seu" teiú tenha tido um destino mais feliz, rs.

Abraço!