sexta-feira, 19 de dezembro de 2008

Trecho do conto A Fera de Vendaval do Sul

Meus rebentos noturnos, tenho uma triste notícia para dar: por enquanto, estou sem material para postar aqui (ah, quase posso ouvir os lamentos inconsoláveis). Sabem como é, não quero gastar toda minha munição, afinal, estou trabalhando em um livro de contos, e desejo que a maior parte do material seja inédito. Portanto, vou postar apenas um trecho de um conto meio longo, que se chama "A Fera de Vendaval do Sul". Acho que esse pedacinho quase funciona como uma história independente. Então, aí vai:



A FERA DE VENDAVAL DO SUL

A garota corria pela floresta escura, sem olhar para trás.
Não pensava no namorado morto na clareira, a mente concentrada apenas na própria sobrevivência. Conhecia bem aquele caminho entre as árvores, mas isso não estava lhe dando vantagem. Podia ouvir o barulho das folhas secas sendo esmagadas logo atrás de suas costas.
Cada vez mais perto.
A trilha é muito aberta, ele vai me alcançar! - pensou.
Entrou na mata fechada, torcendo para que seu enorme perseguidor não conseguisse se movimentar por ali. Sequer sentiu a dor da vegetação e dos espinhos que arranhavam sua pele. Abaixou a cabeça ao passar por um galho mais grosso e saltou o tronco de uma figueira morta. A noite era clara o bastante para que enxergasse esses obstáculos maiores, o desespero lhe dando uma agilidade quase sobre-humana. As passadas pareciam se distanciar, mas não podia ter certeza. Parecia que todos os cães da cidade haviam decidido latir ao mesmo tempo, dificultando a distinção de outros sons.
Após muitos metros de passos acelerados e ar gelado entrando pelos pulmões, ela conseguiu avistar as luzes das casas mais próximas. Por um momento acreditou que bastaria chegar à rua para escapar com vida, afinal, o monstro que a perseguia não poderia existir no mundo civilizado, só na floresta escura em que moravam os pesadelos.
Com horror, escutou um galho sendo estraçalhado a menos de dois metros de suas costas. Não era justo, ela estava tão perto! Impulsionada pela adrenalina, conseguiu aumentar ainda mais a velocidade das pernas. De súbito atravessou o limiar entre floresta e terreno baldio, onde o capim alto poderia esconder algum buraco. Não adiantava pensar nisso, tinha que continuar. Já conseguia ver as pessoas nas janelas das casas, brigando com seus cães que ladravam de forma enlouquecida. Tentou gritar por socorro, mas a voz não conseguia ultrapassar a barreira de sua própria respiração ofegante. As passadas estavam cada vez mais audíveis.
Só mais um pouco, só mais um pouco...
Repentinamente, o som de passos parou.
Ele desistiu! – concluiu com alívio.
Mas estava enganada.
Na verdade, o silêncio indicava que a criatura estava no meio de um salto.
O impacto nas costas da garota foi esmagador, mas não a matou.
Os dentes em sua garganta sim.

quinta-feira, 18 de dezembro de 2008

Sugestão de Blog

Em vista do sucesso da poesia Volto Logo, postada por aqui, minha mãe resolveu fazer seu próprio blog, para colher os frutos da fama sozinha. Portanto, fica a sugestão para quem gosta de poesias. O nome do Blog é Ana Flower, e vale a pena conhecer! Segue o link:

http://anaflowerpoesias.blogspot.com/

Abraços!

segunda-feira, 15 de dezembro de 2008

Conto: MONSTROS

Crianças, um novo conto meu foi publicado na Fanzine Juvenatrix, edição 113, do grande Renato Rosatti. Para ler o conto, vocês terão que mandar um e-mail para renatorosatti@yahoo.com.br, e colocar como título do e-mail "solicitação da Juvenatrix 113".

Mas aí, vocês vão dizer: "Ahhh, tio Mario, mas fazer isso dá trabalhoooo".

INGRATOS! Prestem muita atenção agora, caso contrário, vou arrastá-los ao porão para mostrar uns aparatos medievais que eu comprei! HAUAHAUAHAU!

Espantem a preguiça, usem seus dedinhos para escrever um pouquinho, e garanto que vocês não vão se arrepender! A Juvenatrix sempre vêm recheada de matérias excelentes sobre filmes, seriados, música, etc, além de contos muito bons! E depois que vocês solicitarem a edição 113, basta pedir que o Renato mande mensalmente os próximos números (além da fanzine Astaroth, que é muito boa tbém).

Abraços, minhas crias da noite. Até mais!

quarta-feira, 10 de dezembro de 2008

CONTO: O SÍMBOLO CIRCULAR

O conto a seguir foi publicado na Scarium 21 - Especial Lovecraft, onde cada autor deveria homenagear o escritor de alguma forma. Tentei absorver alguns de seus maneirismos literários para dar o clima certo, mas sem perder minha própria identidade. Acabou virando uma simbiose bizarra, mas que eu aprecio bastante. Espero que vocês também gostem (ah, acabei de fazer umas revisões rápidas, então qualquer errinho eventual será corrigido mais tarde).

A propósito, talvez exista alguma ligação entre este conto, e o miniconto A Loucura, publicado na Terrorzine nº 4 (link no post anterior a este). Ou não, rsrs.

Sem mais delongas, aqui vai o indizível conto:




O SÍMBOLO CIRCULAR

Clayton Reis caminhou até o centro da sala e depositou cuidadosamente no chão o homem que havia raptado. Agir com delicadeza era algo incomum em sua vida, porém Emerson Ribeiro era vital em sua missão. Portanto, seria melhor evitar danos desnecessários.
Mas só os desnecessários.
Agachou-se para conferir se as cordas e a mordaça estavam bem colocadas e, tentando parecer tranqüilizador – ou ao menos, o mais tranqüilizador que um sujeito com quase dois metros de altura poderia aparentar – ele falou:
- Tenha calma, senhor Ribeiro. Se fizer tudo que eu mandar, você não sai daqui machucado.
O sujeito franzino o encarou com olhos aterrorizados e úmidos. Mais uma vez tentou fazer a pergunta que tanto angustiava sua mente.
- Sua esposa está bem – respondeu o seqüestrador, como se tivesse lido seus pensamentos. – Agora vou tirar esse pano da sua boca e você não vai gritar. Fui claro?
Emerson acenou que sim com a cabeça, então o grandalhão cumpriu o prometido.
- Onde ela está? – o cativo suplicou. - Onde está Vanessa?
- Já disse que não precisa se preocupar com ela. Agora não interrompa...
- Por favor, só...
Antes que pudesse terminar, o cano de um revólver entrou em sua boca.
- Não estou tendo prazer nenhum em fazer isso – Clayton afirmou, tão impassível que quase dava pra acreditar. – No entanto, a tarefa que temos pela frente pode levar várias semanas. Se continuar desobedecendo, sua estadia vai se prolongar mais do que nós dois desejamos...
O metal fazia pressão na amídala do prisioneiro, sufocando e provocando ânsia. Caso vomitasse naquela posição, corria o risco de morrer engasgado.
- Mais uma vez, peço que escute.
Emerson queria responder que escutaria qualquer coisa, ouviria o homenzarrão recitar Shakespeare se assim desejasse, contanto que tirasse a arma de sua boca!
- Quero que você me ajude a invocar uma alma – revelou, tirando o revólver com deliberada vagareza. Colocou a arma sobre o único móvel da sala, uma escrivaninha ocupada por pilhas de papel em branco e um computador com impressora. A lâmpada parecia fraca demais para aquele cômodo espaçoso, mal vencendo a penumbra que se insinuava pelos cantos empoeirados.
- Quero começar logo, então se quiser perguntar alguma coisa, vá em frente.
Desconfiado e ainda ofegante, o prisioneiro relutou antes de questionar:
- Por que eu? Existem outros que podem fazer isso...
- Todos que encontrei não passavam de charlatães, vivendo de arrancar dinheiro de ignorantes. Não ofenda minha inteligência, preciso de alguém que, de fato, consiga fazer contato com os mortos. Sei que o senhor não faz isso com freqüência, mas já ajudou pessoas que necessitaram do seu dom, e sem cobrar. Conversei com algumas delas, sabe? Notei que você conseguiu informações realmente válidas, coisas que apenas seus parentes falecidos poderiam saber. Nada de frases genéricas que só trariam conforto passageiro. Perceba que pesquisei muito antes de fazer minha escolha, e não costumo errar. Alguma outra pergunta?
- Por que me seqüestrou? Se está tão desesperado por isso, bastaria pedir...
- Meu caso é diferente. Depois de tudo explicado você vai entender.
Clayton pegou uma pasta e puxou a cadeira da escrivaninha, sentando reto como uma tábua.
- Sou arqueólogo e historiador. Não vou aborrecê-lo contando detalhes do meu currículo, basta dizer que era muito respeitado na comunidade científica. A pesquisa de campo era o que mais me atraía, e durante uma expedição na Grécia me deparei com um achado extraordinário: a entrada para um templo subterrâneo, tão imenso que parecia impossível que estivesse na pequena caverna onde o encontrei.
Tentando compreender o que o seqüestrador dizia, Emerson fez uma analogia com os desenhos animados que seus sobrinhos assistiam: imaginou os personagens entrando num casebre minúsculo, cujo interior era imenso como numa mansão. O pensamento, que deveria ser cômico, o encheu de tristeza. Será que conseguiria sair dali vivo, para ver as crianças de novo?
Clayton continuava sua explanação, absorto.
- As colunas, as linhas, os desenhos, tudo era de uma aparência exótica e desconhecida, em nada lembrando a arquitetura grega ou de qualquer povo que já tivesse sido documentado. O detalhe mais curioso era o tamanho dos degraus e passarelas, que pareciam ter sido construídos para criaturas quatro vezes maiores que os seres-humanos. Eu estava sozinho nessa exploração e por algum motivo inexplicável, os estranhos entalhes que cobriam as paredes me provocaram um sentimento de profunda angústia e terror. Recolhi um pequeno ídolo de pedra e saí apressado pela mesma abertura, chamando meus colegas imediatamente. Por sorte não contei o que havia encontrado, pois quando chegamos ao local de entrada havia apenas uma sólida parede de rocha.
O raptor balançou a cabeça, como se ainda não acreditasse que tal coisa pudesse ter acontecido.
- Durante dias tentei reencontrar a passagem, sem sucesso. Escavei numa profundidade em que seria fisicamente impossível que o santuário não estivesse, contudo nada encontrei. Caso não tivesse trazido esta horrenda escultura de lá, iria acreditar que tudo não passara de alucinação.
Colocando uma luva, o seqüestrador retirou um objeto do bolso e aproximou do rosto de Emerson, que foi tomado por uma premente repulsa. Era como se o artefato não fosse feito de pedra, mas de algum material incognoscível ao qual sua consciência demonstrava completa intolerância. Desejava se afastar da estatueta de formato humanóide, com um emaranhado de tentáculos no lugar da cabeça e asas membranosas enroladas sobre o corpo asqueroso. Porém, ao mesmo tempo em que a imagem causava horror, também provocava uma irresistível atração, fazendo o homenzinho pensar nas lendas sobre serpentes que atraíam as presas através do hipnotismo.
- Já ouviu falar em datação por carbono-14? – Clayton perguntou. - Através desse exame, foi constatado que a escultura tem mais de setenta milhões de anos de idade, ou seja, as criaturas que construíram aquele templo foram contemporâneas dos dinossauros! A maior descoberta de todos os tempos havia escapado entre meus dedos...
Pela primeira vez, Clayton mudou daquele semblante abstraído para algo mais humano. Não era confortador, já que a expressão era de fúria reprimida.
- Você faz idéia do quanto isso é frustrante para um pesquisador? Eu havia encontrado algo que iria revolucionar todo nosso conhecimento histórico, biológico, físico-quântico... Que diabos, algo que mudaria todos os ramos da ciência! Uma mera escultura não seria suficiente para destruir tantos dogmas, eu seria ridicularizado se tentasse!
O cativo se encolheu, sentindo os perdigotos molharem sua testa. Seu algoz suspirou fundo antes de continuar.
- Eu precisava de mais provas. Com um esforço que os fracassados definiram como “obsessivo”, dediquei-me totalmente aos estudos sobre aquela construção perdida. Como as pesquisas tradicionais nada revelaram, me aprofundei no ocultismo. Encontrei tomos obscuros escondidos nos arquivos de museus e bibliotecas de diversos países, que falavam sobre seres monstruosos conhecidos como “Os Antigos”. Vindos das estrelas, eles habitaram nosso planeta há muito tempo atrás e, por algum motivo, foram embora para outra dimensão. Baseado nisto, concluí que a passagem para aquele templo era na verdade um portal para esse outro universo. Isso explicava o tamanho desmedido do santuário, que parecia ser muito mais amplo do que aquela gruta poderia suportar.
Ele guardou a estatueta no bolso, para alívio de seu prisioneiro.
- Através do contato com ordens e seitas clandestinas, ouvi rumores sobre um livro antiguíssimo que, supostamente, continha todas as informações que eu procurava: o Necronomicon. Com capa feita de pele humana e páginas repletas de profecias e encantamentos profanos, sua autoria é atribuída ao árabe louco Abdul Alhazred. Por meios que não desejo revelar, tive acesso a algumas folhas do volume proibido, trechos que escaparam de ser queimados durante as Cruzadas e a Inquisição. Eu já falava sete línguas, mas não hesitei em aprender também o árabe. Assim, fui capaz de decifrar aquela grafia misteriosa que, segundo diziam, poderia levar um homem à demência. Uma bobagem, lógico, contada pelos fracos que não tiveram coragem de fazer o mesmo que eu. O problema é que não existe nenhuma cópia ou exemplar completo da obra, e precisava dela para encontrar as provas que buscava. Eu só tinha poucas páginas incompletas, como essa aqui.
Disfarçando certo nervosismo, Clayton retirou o fragmento de pergaminho da pasta. Emerson voltou a sentir aquela irracional mistura de asco e atração ao observar a gravura: era o desenho um estranho sistema solar, com seis planetas orbitando uma estrela amorfa. Embora a porção superior estivesse rasgada, era possível ver metade de um símbolo circular, cujos padrões fabulosos eram interligados por caracteres desconhecidos.
- Esta representação mostra parte das instruções para um ritual, impossível de ser realizado sem o restante da página. Pode-se dizer que eu estaria num beco sem saída, caso não tivesse feito outra importante descoberta no mesmo período. Minha vida sempre foi dedicada aos estudos, nunca perdi tempo com passatempos frívolos como a literatura. Portanto, qual não foi minha surpresa ao digitar “Necronomicon” em sites de busca, e encontrar tal palavra associada a um escritor! O nome dele era Howard Phillips Lovecraft. Adquiri toda sua obra e fiquei pasmo, suas descrições, os nomes, tudo casava com minhas pesquisas! De alguma forma ele também sabia sobre os Antigos, utilizando-os como inspiração para seus textos. Analisei seus contos com atenção e, entre os inúmeros adjetivos exagerados e melodramáticos, encontrei respostas para enigmas que me pareciam insolúveis. Por exemplo, quando consegui o mapa incompleto para um suposto templo perdido na Antártida, foram as palavras de H.P.Lovecraft que me forneceram as coordenadas faltantes, através de anagramas. Cheguei ao local desejado e encontrei apenas alguns escombros, mas não desanimei. Afinal, achei isto!
O grandalhão mostrou a fotografia de um muro caído, coberto parcialmente por neve e entalhado com os mesmos desenhos do pergaminho. Contudo, o símbolo da foto estava completo, e em seu centro era possível ver algo parecido com um ser humano.
- Segundo os trechos que consegui traduzir, esse homem da gravura é a chave. Vê essas palavras ao redor? Elas descrevem um encanto de invocação. Tentei realizar o ritual algumas vezes, porém descobri que não tenho o dom necessário, é preciso ser um... Odeio essa palavra... “médium”. É aí que você entra. Assim que invocarmos este espírito, creio que ele nos ajudará a redigir um novo Necronomicon.
O seqüestrador ficou em silêncio, como se esperasse alguma colocação. Então, o cativo fez uma sem se preocupar com as conseqüências.
- Olha... Não sei o quanto de tudo isso é verdade, mas com certeza há algo sobrenatural nesses objetos. O efeito opressivo que provocam demonstra que são prejudiciais, nunca senti tanta maldade antes! Nada de bom pode sair disso, você não sabe qual a intenção desses “Antigos”, e se quiserem nos fazer mal? Acha que vale a pena correr o risco de morrer?
- Melhor morrer pela verdade do que viver na mentira.
Dando o debate por encerrado, o grandalhão levantou e atravessou uma porta, falando alto para se fazer ouvir.
- Agora posso responder aquela pergunta, lembra? Sobre a necessidade de te trazer à força. Entenda, para contatar esta alma em especial, os métodos que você utiliza não vão funcionar...
Clayton voltou até a sala arrastando outro homem, também amarrado e amordaçado. Pelas suas roupas, parecia um indigente.
- É preciso sacrificar uma pessoa durante a invocação. Coisa que você não faria de livre vontade, estou certo?
O prisioneiro arregalou os olhos, sentindo um calor intenso invadir sua face.
- Você enlouqueceu, não vou participar disso...!
Sem responder, o seqüestrador passou novamente pela porta. Voltou carregando uma mulher amarrada nos braços.
Aflito, o prisioneiro constatou que era sua esposa.

A cerimônia estava pronta para começar. Agora que fora colocado de joelhos - pernas acorrentadas e braços livres para segurar um punhal – Emerson percebeu que o símbolo circular estava desenhado com tinta branco no chão da sala. Ele estava posicionado no meio do emblema, o mendigo imobilizado na sua frente implorando pela vida com o olhar. Não tinha escolha, era aquele homem ou Vanessa. Clayton estava em pé fora do círculo, com o revólver apontado para o coração de sua mulher. Concentrando-se nas instruções recebidas, o homenzinho começou. De início teve dificuldade para pronunciar aquelas palavras peculiares, com muito mais consoantes do que vogais, mas logo a linguagem hedionda pareceu adquirir vida própria.
- Haght Yahghha Ohsthshoghot, Ehhtymax Imathoghxthn d’shomoth, HAGHT YAHGHHA OHSTHSHOGHOT...
Suas mãos se erguiam na mesma velocidade que a voz ficava mais alta.
O mendigo se contorceu, tentando inutilmente se afastar.
Fechando os olhos para não ter que encarar a vítima inocente, Emerson enterrou a lâmina em sua garganta. O sangue não se espalhou pelo chão de maneira aleatória, e sim cobrindo apenas a tinta, como se as linhas fossem canaletas. Quando todo o branco foi substituído por vermelho, um brilho intenso obrigou os demais presentes a também cerrarem os olhos.
Ao abri-los, Clayton percebeu que não estavam mais na chácara distante que havia alugado.
Na verdade, sequer estavam na Terra.
A cidade alienígena se agigantava até alturas inimagináveis, como se tentasse alcançar o informe astro central e sem luz própria que cobria quase totalmente o vasto céu noturno. A arquitetura das desmesuradas construções era idêntica à daquele templo que encontrara na Grécia, com exceção da estranha cúpula que os cercava, impedindo que fossem aniquilados pela atmosfera hostil. Não era nada disso que o seqüestrador esperava que acontecesse. Ia chamar por Emerson, que permanecia imobilizado de pavor, quando percebeu que não estavam sozinhos ali dentro.
Clayton já havia pensado na possibilidade de se arrepender, contudo não achava que seria tão depressa. Quatro gigantescas criaturas se aproximaram com movimentos ágeis e odiosos, e a aparência delas era tão alarmante que chegava a ser indescritível. Minúsculo diante das monstruosidades de oito metros, o homenzarrão se encolheu num canto e apontou o revólver, porém foi ignorado. Dois daqueles seres capturaram a mulher que se debatia e o cadáver do pedinte, colocando-os dentro de caixas com a indiferença de cientistas lidando com ratos de laboratório. Outro agarrou Emerson com seus apêndices oleosos e o levantou até a altura da estrutura nodulosa que deveria ser o rosto, enquanto o quarto se aproximou segurando um estranho dispositivo que parecia tanto tecnológico quanto orgânico. Deste aparelho saiu uma agulha grossa, que se aproximou da testa do homenzinho aterrorizado. Clayton desviou o rosto, mas acabou vendo algo pior. Lembrou de palavras como “ciclópico”, “indizível” e “gargantuano”, percebendo o quanto fora injusto com Lovecraft. O escritor não havia exagerado, tinha sido até bastante contido em suas palavras.
O bizarro “sol” daquele sistema planetário começava a se esticar, asas colossais se abrindo e revelando um horrendo corpanzil de proporções cósmicas. A cabeça repleta de tentáculos virou em sua direção e abriu os olhos, demonstrando tamanha perversidade que a mente de Clayton pareceu ser esmagada numa overdose de pavor e loucura. Sem conseguir pensar em qualquer rota de fuga daquela abominação imensurável, ele aproximou o revólver da têmpora. No entanto, perdeu a consciência antes que pudesse escapar.

Clayton despertou quando estava de volta ao ponto de partida, a penumbra da salinha da chácara denunciando que já era noite. Deitado de barriga para cima, tentou levantar para acender a luz. Entretanto, não conseguia se mover.
Conjeturava sobre isso quando o rosto de Emerson apareceu à frente do seu, a recente cicatriz na testa ainda avermelhada pela cauterização. Seu semblante estava tão diferente que parecia outra pessoa, e essa outra pessoa não parecia estar com o juízo perfeito.
- Olá, dorminhoco! Vamos acordar, vamos acordaaar, já está na hora!
O homenzarrão permaneceu prostrado, não só porque uma força invisível continuava prendendo-o firmemente ao chão, mas também porque algo na frase o deixou bastante desorientado.
Seu ex-prisioneiro estava falando em árabe.
- Pelo que sondei nas memórias contidas neste cérebro, você gosta de longas explicações. Então é hora de ouvir algumas! – continuou.
Clayton tentou falar algo, contudo aquilo que imobilizava seu corpo se aplicava também à sua boca.
- Caso você não seja retardado como um camelo tuberculoso, já deve ter percebido que não sou Emerson Ribeiro, e sim alguém que incorporou nele. Meu nome é Abdul Alhazred, conhecido como “árabe louco”, embora prefira o termo “excêntrico”. Mas estou me adiantando, eis a história como me foi contada, e que Alá... Ou melhor, que Cthulhu me amaldiçoe se estiver mentindo!
Ele tomou fôlego antes de começar.
- Pois bem, quando os antigos souberam que teriam de abandonar essa dimensão – não pergunte o motivo, pois isso eu não sei – eles preparam uma estratégia de retorno. Através de magia e ciência avançada, desenvolveram um organismo novo, que evoluiria até ser capaz de comportar certos dons, como a escrita, o poder de invocar os mortos, etc. Essa criatura adorável era... O HOMEM! – berrou de forma estridente.
- O modo de pensar dos Anciões é tão fundamentalmente diverso do humano, que só foi possível desenvolver um único indivíduo com capacidade de compreendê-los. Ou seja, eu! Por isso, minha alma precisou ser preservada quando fui morto por fanáticos, momentos antes de terminar o Necronomicon. Essa possibilidade havia sido prevista, então fui instruído a escrever o ritual do símbolo circular, passível de ser realizado apenas por quem tivesse um corpo capaz de me conter. Dessa forma, eu poderia voltar e escrever outro!
Clayton observou o homem alisar os próprios braços, com um sorriso satisfeito.
- Entretanto, como essa alma caridosa me faria esse favor, já que metade da página com a cerimônia havia se perdido? Precisávamos de alguém apto para compreender ao menos uma parcela de nossas informações. É aí que o Lovecraft entrou! Por meio de sonhos, nosso cooperativo escritor recebeu as coordenadas necessárias e as transcreveu em suas histórias, para que mais tarde a pessoa certa pudesse interpretá-las. O que não foi previsto é que essa pessoa não seria meu futuro receptáculo, mas alguém que levaria o receptáculo até mim! Um doce de damasco se você adivinhar quem foi! – falou, batendo o dedo no nariz do homem imobilizado.
- Agora poderei terminar o Necronomicon, e fazer tantas cópias que será impossível destruí-lo novamente. Vejo muitas possibilidades nessa tal de “internet”! Daqui alguns anos, um exemplar vai ser lido por uma jovem com habilidade de abrir portais entre as dimensões. E não serão passagenzinhas medíocres como essa que vocês fizeram agora pouco! Nããão, vão ser passagens imensas o bastante para permitir o retorno dos Antigos, que retomarão o posto de espécie dominante sobre a Terra!
Ele saltou e bateu palmas exultantes.
- Você foi um bom instrumento, contudo já perdeu sua utilidade. Mas sabe que simpatizei com sua pessoa? Como foi aquela frase? – o árabe estufou o peito e declamou: “Melhor morrer pela verdade do que viver na mentira”!
Gargalhando como um lunático, ele começou a abrir a camisa de Clayton com o punhal.
- Tamanho idealismo merece ser recompensado! Sei que desejava participar da confecção do Necronomicon, então reservei para você um papel crucial no primeiro exemplar, que será feita à moda antiga...
O homem aprisionado conseguiu ver seu próprio desespero refletido na lâmina, antes dela descer delicadamente sobre seu peito e começar a remover a pele.
- Você vai fornecer o material para a capa!
Caso a boca de Clayton Reis não estivesse tampada por um feitiço ancestral, seus gritos de agonia teriam sido ouvidos até o amanhecer.

FIM

quinta-feira, 4 de dezembro de 2008

Miniconto: A Loucura

Atenção, fiéis leitores (sim, estou falando com vocês dois)! Saiu um novo miniconto meu ("A Loucura", uma pequena homenagem ao escritor H. P. Lovecraft), no Terrorzine 4. Em respeito aos editores dessa excelente revista virtual, não vou postar o conto aqui ainda, mas sim o link para vocês baixarem a revista (meu conto está na página 31).

http://www.cranik.com/terrorzine4.pdf

Vamos lá, gente, vocês só perdem uns segundinhos fazendo isso, e ainda deixam o titio Mario aqui feliz! Um abraço, vou ver se arrumo algo com mais "sustança" para colocar no blog este final de semana.

Obs. Talvez exista alguma ligação entre este miniconto, e o conto O Símbolo Circular, que está logo acima. Se puder sugerir a ordem de leitura, seria melhor ler o conto anterior antes do miniconto.

Abraços!