sábado, 3 de outubro de 2009

Conto: A RINHA

A RINHA

Quando o relógio anunciou onze horas, poucas cadeiras ao redor da jaula estavam ocupadas. A tempestade não estava cooperando com o pouso dos helicópteros na ilhota particular, mesmo assim todos viriam. Nenhum dos associados desejaria perder o evento daquela noite.

Max Evanier, o organizador, recebia os recém-chegados de forma efusiva e servil, encaminhando-os para seus assentos. Cada lugar ficava a uma boa distância das cadeiras vizinhas, possibilitando que os seguranças de cada cliente se posicionassem da maneira adequada. Belas garotas serviam bebidas finas, diminuindo a impaciência geral e aumentando a vontade de competir.

Quando a noite atingiu seu auge, todos os ansiosos convidados estavam presentes. O recinto tinha uma atmosfera calculada de decadência e penumbra, visando manter o clima de ilegalidade e ainda assim oferecer conforto. Muitos achavam essa escolha estética questionável, mas suportavam sem reclamar. Aceitariam qualquer coisa para afastar aquele tédio infindável, a rotina aborrecida de quem já havia conquistado tudo que era possível conseguir.

Era aí que Max entrava. Ele fornecia emoção.

Havia começado organizando brigas de galo na América do Sul, anos antes do primeiro fio de barba se insinuar por seu queixo gorducho. Depois, passou para rinhas de cães. Quando os embates entre pitt bulls estavam na moda, um ricaço lhe pagou uma pequena fortuna por uma luta entre duas onças. A partir de então, a coisa só aumentou. Todo tipo de fera passou pelos ringues daquele sujeitinho desagradável, que formou uma clientela fiel e abastada.

Mas com o tempo seus clientes começaram a ficar entediados, e já não importava trazer ursos, leões ou tigres siberianos. Quando sugeriu promover lutas entre espécies diferentes, os sócios ficaram escandalizados, dizendo que isso acabaria com a integridade do jogo. Pois bem, se todos os grandes animais selvagens já haviam sido utilizados, como arranjar algo ainda mais incrível? Quando os negócios pareciam se encaminhar para o fim, apareceu o mago, com uma proposta.

Max pensava sobre isto quando o necromante fez sua entrada triunfal, de pé sobre o veículo que transportava dois engradados de madeira. Não tinha barba longa nem usava manto, a aparência lembrando um surfista cinqüentão. Tentáculos de luz branca se desprendiam de suas mãos, entrando nas caixas por pequenas frestas. Oito empregados trêmulos carregaram os caixotes para dentro da jaula, e os abriram com pés de cabra. Nunca antes haviam realizado um serviço tão rápido.

Exclamações de espanto foram ouvidas quando o conteúdo das caixas foi revelado: dois homens altos e pálidos, congelados em poses agressivas; o de cabelos compridos usando calça social e camisa pólo, enquanto o de cabelos curtos vestia um terno cinza. Aparências triviais à primeira vista, no entanto, era só olhar os dentes para perceber que havia algo estranho.

O feiticeiro foi o último a sair antes de trancarem a jaula, com um semblante calmo. Sentou afastado, ainda ligado aos vampiros pelos fios luminosos de seus dedos, então pronunciou encantamentos numa língua morta. As cordas diáfanas mudaram para uma cor azulada e desprenderam-se das criaturas, passando de imediato para as barras e chão da gaiola.

No mesmo instante os seres da noite saltaram contra as grades, e foram repelidos de forma violenta.

Os clientes soltaram gargalhadas nervosas, o riso de quem acabara de escapar do atropelamento ou algo assim. Sabiam que se o mago não tivesse erguido a barreira no momento certo, alguém poderia ter morrido.

Os vampiros se levantaram, olhando furiosos para os lados. Aquele que tinha cabelos curtos arrumou o colarinho e falou com o outro, numa voz macia como magma:

- Razalael! Há quanto tempo não vejo sua cara horrenda?

- Desde a Revolução, Dasthat.

- Industrial?

- Francesa.

Razalael avaliou a situação. Se ao menos tivesse algum objeto pesado para arremessar no mago, ele perderia a concentração e o escudo cairia. Mas não tinha nada, até os sapatos haviam sido tomados dos dois.

Estavam sem saída.

- Meus caros amigos, sejam bem vindos! – falou Max Evanier no microfone, e os vampiros concluíram que não estava se referindo a eles. – Como sabem, nós já oferecemos os embates mais empolgantes neste local! Meu sócio trouxe lobisomens do Brasil para uma memorável noite de lua cheia! Apresentamos um embate titânico entre dois pés-grandes do Himalaia, num evento que abalou as estruturas da arena! E agora, trazemos as mais poderosas criaturas da noite! Façam suas apostas, pois a luta vai começar!

Os homens aplaudiram e sussurraram lances pelos pontos eletrônicos, enquanto os supostos combatentes cruzaram os braços. Todos ficaram na expectativa e o organizador pigarreou, tentando manter a compostura.

- Bem, é a primeira vez que preciso explicar as regras aos nossos animais.

Novas risadas inquietas, roupas que custavam mais do que certos carros manchando de suor.

- Vocês devem lutar até a morte – continuou Max. - O vencedor será libertado.

Foi a vez do vampiro de terno rir.

- Verme, você nos subestima.

- Então meu sócio vai paralisar os dois de novo, e temos estacas...

- Faça o que quiser, covarde! Não iremos nos submeter...

A frase foi interrompida pelo murro de Razalael. Dasthat foi jogado longe e caiu em pé, limpando o sangue do ferimento que já estava cicatrizando.

- Ficou louco ou ainda mais estúpido? Ele não vai cumprir a promessa!

- Sendo nossa única chance, prefiro arriscar!

No instante seguinte os dois se chocaram, gerando um estrondo que fez todo o galpão tremer. Movimentavam-se tão rápido que quase não podiam ser vistos a olho nu, e a única coisa perceptível era o rastro de sangue por onde haviam passado. Porém, quando um deles ficava acuado em um canto, ambos surgiam como espectros difusos, quase uma miragem em meio aos trovões gerados por seus golpes, que abriam buracos e lançavam pedaços de pele e órgãos pelo ar.

Os expectadores começaram a sentir-se incomodados. Na maior parte do tempo não conseguiam ver o que estava acontecendo, e quando viam, era pior do que tudo que haviam presenciado. Se não tivessem vergonha de demonstrar fraqueza, todos já teriam levantado e ido embora. A visão das criaturas evocava medos antigos e profundos, uma aversão tão forte que fazia com que ansiassem pelo término da luta, não importando o resultado. Porém, uma vez que os ferimentos dos vampiros fechavam prontamente, parecia que aquilo poderia continuar pela eternidade.

De súbito, Razalael agarrou o antebraço de Dasthat e, com um movimento brutal, quebrou o membro do oponente. O berro de agonia do ferido encobriu os ruídos de asco dos presentes, e então, antes que o ferimento pudesse se curar, Razalael agarrou o úmero exposto e arrancou, gerando um novo urro de dor intolerável.

Dasthat caiu ao chão, quase desfalecido.

Razalael ergueu o osso afiado.

Todos prenderam a respiração.

Somente o organizador percebeu que havia algo errado. Tentou avisar, mas era tarde demais.

O vampiro girou o braço como um atirador de facas e arremessou o fragmento ósseo, que passou zunindo entre as grades e cravou em cheio na testa do mago.

Os tentáculos luminosos se apagaram, assim como a pouca vontade dos presentes de permanecer no recinto.

Razalael dobrou as barras com um movimento displicente e caminhou de forma calma até o cadáver, sem se importar com a turba em pânico. Imóvel e catatônico, Max observou o vampiro arrancar o osso e jogar de volta para o oponente, que o agarrou no ar.

- Pra não dizer que nunca te dei nada.

- Seu filho de uma cadela leprosa! Já tinha planejado tudo, maldito?

- Perdoe-me, achei que você não concordaria.

- Vou te matar por isso, atirador de espetos! – o outro berrou, colocando o úmero no lugar e sentindo a rápida calcificação, os músculos e pele recobrindo o local.

Razalael sorriu. Poderia dar cabo do adversário agora, quando estava mais vulnerável, mas qual seria a graça? Além disso, a perspectiva de um combate futuro o agradava. Era difícil conseguir alguma emoção verdadeira, que afastasse o tédio da imortalidade.

- Aguardarei ansioso para trucidá-lo novamente. Mas gostaria de ter algum desafio da próxima vez, então tente se alimentar direito, ok? Vou deixar um lanchinho pra você ir começando.

Logo que o vampiro de cabelos compridos sumiu pela porta, gargalhando, Dasthat ouviu as explosões dos helicópteros e os gritos.

Ótimo.

Após tanta humilhação, precisava descontar em alguém.


Max Evanier recuperou a razão dentro da jaula, trancado junto com a maioria dos clientes, seguranças e empregados. Apavorado, localizou as barras que haviam sido dobradas, contudo elas estavam fechadas outra vez. Os demais olhavam apalermados para o vampiro de cabelos curtos, sentado numa cadeira próxima e cercado por cadáveres com pescoços dilacerados.

- Todos acordados? - perguntou Dasthat enquanto perfurava a jugular de um rico empresário, o sangue derramando espesso numa taça de cristal. Sorveu um longo gole antes de questionar, em tom irônico:

- Bem, vocês já sabem as regras. Estão esperando o quê?

19 comentários:

L.F. Riesemberg disse...

Pô, muito bom! Parabéns!

Unknown disse...

Oie!!!
Tem selinho pra vc no meu blog...
Bjinhosssss

P M disse...

ola vi teu blog e gostava k m afiliases nele eu tambm t vou afiliar n meu http://artesminhas63.blogspot.com/
visite me

# נєѕѕ # disse...

Oii
tenho um selo pra vc!!

beeijoo*

Julio Sergio disse...

Excelente conto.

Aproveito para agradecer sua visita e comentário. Espero você por lá!

Abraços!

†_Flávia Tavares_† disse...

\o/ sem comentarios você escreve muito bem sem comparação ^^ realmente adorei, mas ja era esperado sou meio viciada em vampiro não sei se percebeu :P

terei o maior prazer de add seus outros dois banners fico muito feliz com a parceria :D

Quem sabe eu compareço na estreia na paulista mas tenho que ver umas coisas primeiro

boa sorte co tudo! [quando será que teremos um livro solo? ;D]

Geraldo de Fraga disse...

Mario, quanto estará custando o livro Galeria do Sobrenatural no dia do lançamento?

Alícia Azevedo disse...

Oi!
Adorei o seu blog, e o conto!
Queria te propor uma parceria de troca de banners...
De qualquer forma, PARABÉNS!
Seu blog é show!
Bjs

Giane disse...

Oi, Mauro!

Sim, há muito tempo que não aparecia por aqui, mas Amigo de Boas e Tétricas Palavras...
Que conto, hein?!?!
Certos talentos não mudam - se aprimoram!
Sou fã de seus contos curtos, mas confesso...amo seus contos maiores, pois apreciar os detalhes da sua narrativa por mais tempo, não tem como descrever a satisfação!

Sim, moro em São Paulo e pode preparar caneta e sorrisos para autógrafos e fotos.

Dia 31 já tenho um compromisso: conhecer pessoalmente meu escritor de horror favorito!

Beijos mil!!!

Giane disse...

Mario...
Mario.
Mario!!!

Me perdoa pela segunda vez!
Nada disso, eu quero Mario Carneiro Junior no autógrafo, nada de Mauro!
Que cisma minha chamá-lo de Mauro!
E sim, apesar da mancada, Você é meus escritor de terror favorito.

Pelamor, só tanto favoritismo para perdoar essas duas erratas...

Beijos mil!!!

Flávio de Souza disse...

Olá Mario! Já providenciei a divulgação do evento, bem como da Biblioteca lá no meu blog. Parabéns pelo projeto, infelizmente não poderei comparecer, pois moro no Rio...
De qualquer forma, desejo muito sucesso!
Um abraço,
Flávio

Flávio de Souza disse...

Olá Mario! Evento e Biblioteca já devidamente divulgados. Infelizmente não poderei comparecer, pois moro no Rio...
De qualquer forma, parabéns e sucesso!
Um abraço,
Flávio

Alícia Azevedo disse...

Infelizmente, colega escritor, eu sou do Rio, por isso não poderei ir. Mas, desejo boa sorte e parabéns por mais essa empreitada!
Posso fazer uma perguntinha cretina: queria saber se você pode linkar o meu banner no seu blog???
Tá no meu site:
http://alluim.blogspot.com

Obrigadão e parabéns de novo! Quando eu crescer quero ser assim que nem vc...RS!

Sobredas disse...

Adorei seu conto. Fikou muit legal!!
dah uma passadinha no meu pra vc dar uma olhada, estou com historias novas!
Bjos............

Allan Machado disse...

Boa noite, Mário.
Quero te mandar um conto, qual seu email?
Abs

www.diariodomedo.blogspot.com

Claudya disse...

Desculpe-me pelo sumiço, mas, meu pc tá com problemas desde agosto. Meu pc foi prá assistência técnica, só volto a postar nos blogs daqui uma semana mais ou menos. Sobre seu convite, moro em SC, mas vou ver se consigo divulgar algo.... bjs (pode apagar esse comments se quiser)

Anônimo disse...

Oi Mário, só passando para agradecer o convite e desejar muito sucesso nessa nova publicação. Fiz um post no Descaminhos para divulgar, abraços e até mais.

Ah, conto interessantíssimo este, para ler e não conseguir parar.

Natanael Gomes de Alencar disse...

Uma estória impressionante, bem estruturada e com potencial para um curta metragem, claro, com bons atores...

Mario Carneiro Jr. disse...

Obrigado, meus amigos. Como sempre, vocês honram este escriba com seus comentários e encorajamento. Abraços!