sábado, 26 de março de 2011
MEU INFERNO SOU EU
MEU INFERNO SOU EU
Muito tempo após a partida do cortejo fúnebre, Bia Valente continuou encarando a lápide branca, esculpida em Mármore Carrara. A peça tinha certo ar aristocrático, mas ainda parecia pouco para alguém de sua posição social.
Depois de tudo que fiz, é isso que mereço? Uma laje fincada na grama? Preferia ter sido sepultada num daqueles jazigos enormes, igual o da Vandinha Albuquerque. Aquela esnobe deve ter se achado grande coisa quando morreu! Bom, ao menos esse cemitério é mais chique, eu acho...
Em busca de consolo, baixou o rosto para olhar seu novo aspecto. Nunca gostara de sua forma física em vida, mesmo após várias cirurgias plásticas, centenas de dietas mirabolantes e infindáveis horas nas melhores academias do Rio. Agora, seu corpo fantasmagórico era lindo e esbelto, do jeito que ela sempre lutara para conquistar. Claro que não poderia ficar se exibindo por aí, mas em compensação não precisava mais se preocupar com o que os outros pensavam da sua aparência.
Isso sim é descansar em paz...
Então, escutou um barulho vindo das profundezas de sua cova.
Afastou-se flutuando, olhando amedrontada para trás. Seu marido Aristeu costumava dizer que ela era “valente apenas no sobrenome”, algo muito irritante, ainda mais por ser verdade. Como a morte não a deixara mais corajosa, se escondeu atrás de um pinheiro ao ver o montinho que se erguia da sepultura. Seria o diabo vindo buscá-la?
Não pode, sempre fui uma boa pessoa! E todas aquelas festas beneficentes que organizei pra Fundação da... ah, daquela doença lá, isso não conta?
Ficou na expectativa, esperando o surgimento de uma cabeça chifruda e flamejante que iluminaria a noite nublada. Porém, a única coisa que rompeu o solo foi uma mão feminina, com uma aliança de diamante no dedo anular.
O diabo roubou meu anel? – perguntou-se tolamente, antes do outro braço esticar para fora e fincar os dedos na grama. Um rosto de olhos vidrados apareceu em seguida, envolto por cabelos desgrenhados e sujos de terra.
Quê? Não, NÃO!
Se pudesse desmaiar, Bia teria perdido os sentidos antes que seu cadáver terminasse de levantar da cova. A coisa esticou os braços, deu três passos trôpegos e falou:
- Célebros!
Bia quase teve um ataque, ou ao menos, o mais próximo de um ataque que um espírito poderia ter.
Não é justo! Já virei um fantasma bonitinho e limpinho, meu corpo não tinha nada que sair andando todo malacafento!
Flutuou em direção à carcaça, que repetiu:
- Célebros!
- É “céreblos”, anta! – gritou o espectro, finalmente atraindo a atenção do defunto. – Quero dizer, “cérebros” e... Ah, não importa, volta já pra tumba, criatura infeliz!
Com rapidez insuspeita, o ente cadavérico deu três passos em direção ao espírito, que não foi rápido o bastante para desviar dos dedos que atravessaram sua cabeça.
- Céle... Cérebro?
- Sinto muito, dear – respondeu a assombração, sentindo-se confiante por descobrir que não podia ser ferida. - Agora seja uma boa...
Aquilo saiu caminhando em direção ao muro, deixando a aturdida Bia para trás. Ver seu cadáver desalinhado daquele jeito era como ver a si mesma quando acabava de acordar, mas dez vezes pior.
E exposta para o mundo todo ver.
- Espera aí! – gritou a alma sem corpo para o corpo sem alma, que terminava de escalar o muro em direção à liberdade.
O defunto já tinha andando dez quadras, sem se importar com as ordens para voltar ou com as mãos incorpóreas que tentavam segurá-lo. Os poucos transeuntes noturnos sempre atravessavam a rua antes de chegar perto, julgando que aquela estranha senhora devia estar drogada. Bia até tentou entrar no antigo corpo, mas o misterioso dispositivo que conectava a alma com a carne jazia desligado.
Estou no inferno, só pode...
- A madame tá perdida? – disse um rapaz encostado num poste, com uma tranqüilidade suspeita àquela hora da madrugada. Mesmo assim, era alguém que poderia auxiliá-la.
- Moço, poderia me ajudar? Mocinho? – perguntou a alma penada, parada na frente do rapaz. Porém este não podia vê-la, ou talvez estivesse muito concentrado no anel daquela mulher imunda e trôpega. Ele colocou a mão no bolso que tinha um canivete e se aproximou.
- Cê tá bêbada, é...?
- Cérebro!
Mãos geladas enlaçaram a cabeça do ladrão, que se defendeu enfiando a lâmina na barriga da atacante.
- Meu Deus... – gemeu o fantasma.
Os dedos cadavéricos começaram a apertar, provocando um som de rachadura que foi abafado pelos gritos atrozes do rapaz. Ele tentava escapar, mas por algum motivo, a morte dera uma força sobrenatural ao defunto.
- Que horror!
Após alguma resistência o crânio cedeu, espirrando pedaços cinzentos numa erupção de encéfalo e sangue.
- Olha quanta banha! – exclamou Bia, olhando o rasgo que o canivete havia feito no vestido, revelando seu antigo abdome. – Por favor, corpinho, volta pro cemitério, você já conseguiu o que queria!
A carcaça engoliu a massa craniana em poucas dentadas e então voltou à sua marcha obstinada, para algum lugar que só ela sabia.
- Cérebros!
- Porra! Se continuar comendo, vai engordar! Mais!
- Que droga é essa... – gemeu uma voz confusa.
Bia se voltou para o espírito do assaltante, parado ao lado do próprio cadáver com expressão incrédula. Repentinamente, um buraco surgiu abaixo do espectro masculino, que caiu no abismo berrando em desespero.
A socialite fantasma permaneceu imóvel por alguns segundos, antes de lamentar:
- Maldito sortudo.
E voltou à perseguição.
Quinze minutos depois, a situação de Bia havia mudado. Para pior, pois descobriu que seu corpo estava voltando para a mansão onde morava em vida.
Oh my God, se o Aristeu me vê assim, vai morrer de desgosto!
Quando estavam a poucos metros do portão, uma idéia a sossegou.
Nem em sonho o Fonseca deixa esse infortúnio entrar!
Fonseca era o segurança que ficava na guarita, um homenzarrão de dois metros que se vangloriava de não ter medo de nada. Nesse caso, um cadáver semovente devia ser a exceção que confirmava a regra, pois ele gritou como uma garotinha ao ver sua antiga patroa pulando o muro. Tentou fugir, mas tropeçou e bateu a cabeça, desmaiando. A causadora dessa ceninha ridícula cambaleou em sua direção.
- Cér...
- Não, nada de cérebro aqui! – gritou a alma penada, saltando diante do corpo como uma cheerleader enlouquecida. – Pra lá, pra lá tem mais cérebros, bem gostosos e nutritivos!
- Cérebros... lá?
- Isso darling, tem cérebro ao vinagrete, ao molho de amêndoas, miolos de todo tipo...!
- Miolos não! Cérebros!
- Tá, que seja, vem!
O defunto esqueceu o vigia, porém não foi para o lado que Bia indicou. Estava atravessando o jardim em direção à casa.
- Não, burra, não!
O silêncio noturno foi invadido por latidos nervosos, que a socialite espectral reconheceu de imediato. Os cães de guarda iriam estraçalhar aquela monstruosidade!
A carcaça parou, olhando para os pastores alemães que chegavam correndo.
Agora você vai ver, piranha flácida!
Os animais saltaram, salivando de antecipação.
Isso!
E começaram a lamber o rosto do cadáver.
Bosta!
- Brutus... Titã... – balbuciou o defunto. Os cachorros faziam festa para aquilo que ainda reconheciam como a dona, que sempre arrumava um tempinho para brincar com eles. A coisa morta acariciou suas barrigas com uma expressão de felicidade abobalhada, com filetes de pus escorrendo da boca aberta.
Bia tentou chorar de frustração, mas nem isso conseguiu. Então, o portão começou a abrir.
Ainda encoberta pelas sombras das árvores do jardim, a criatura cadavérica claudicou em direção à BMW que entrava. Caso Aristeu tivesse o hábito de cumprimentar o segurança, poderia ter percebido sua ausência. Mas como sempre, não olhou para os lados e foi direto até a garagem. Bem arrogante, mas era o homem que Bia amava. Agora, aquele corpo nojento iria atacar o recém-viúvo.
- Pare! – gritou a assombração, correndo inutilmente ao lado do cadáver que, em poucos instantes, alcançaria a porta da casa.
- Pare já! Tem cérebros em outro lugar, volte...
Estava quase alcançando o caminho asfaltado, onde ficaria à vista.
- PARE AGORA, RETARDADA! – berrou o fantasma, dando um tapa que virou o rosto perplexo do antigo corpo. Diante da intensa e inexplicável manifestação de fúria na atmosfera, os cães ganiram e correram para longe, deixando rastros de urina pelo chão.
- AGORA TÁ ESCUTANDO, NÉ COISA FEIA? PORCA! LIXO! – berrava Bia, dando golpes e socos violentos no defunto, que se afastou gemendo.
- Dói...
- É PRA DOER, VACA! – rosnou o espírito, agarrando os cabelos do cadáver e esfregando sua cara no solo. – VAI PARAR AGORA? VAI?
O corpo não respondeu, apenas continuou chorando com o nariz enfiado nas folhas secas, de forma patética.
Bia afastou-se repentinamente, tomada por um sentimento parecido com autopiedade. Ver aquele reflexo deplorável era algo que ninguém devia ser forçado a suportar. Concentrando o resto de sua ira, agarrou uma pedra de peso considerável e ergueu acima da cabeça do defunto, pronta para acabar com aquilo.
Sinto muito. Mesmo.
Mas antes de dar o golpe final, escutou algo vindo da mansão.
Gargalhadas.
Femininas.
Deve ser a TV – pensou a alma penada, largando o pedregulho no chão. Imaginando que o cadáver não sairia do lugar, voou até a residência. Quando entrou no quarto, sentiu um estranho aperto que não julgava mais ser possível. Afinal não possuía mais coração, tecnicamente falando.
- Conseguimos, gostoso! – exclamou a belíssima loira agarrada no pescoço de Aristeu, que percorria seu corpo escultural com mãos ávidas. Era a personal trainer de Bia.
- Vanessa, a gente não devia estar junto hoje, acabei de enterrar minha esposa...
- Ah, faz favor, né? Ninguém vai nos ver aqui, e mesmo que vissem, todos sabem que vocês ricaços não prestam! Né, cachorro?
- Au au! – fez o homem de meia-idade, fingindo que ia mordê-la. Ela correu soltando gritinhos e atravessou o corpo intangível da falecida.
Bia não podia acreditar naquilo, seu marido sempre fora tão correto, tão sério! Bem, é claro que andava tendo mais reuniões ultimamente, além de ter adquirido uma súbita preocupação com a aparência, mas...
- Eu ainda estou preocupado. E se exumarem o corpo? Os pais da Bia não engoliram bem essa história de “ataque cardíaco”.
- Linduxo, já falei, não tem como detectar aquele veneno, o corpo metaboliza tudo após a morte. O negócio é importado dos Estados Unidos, de Nova Orleans, coisa fina!
A assombração andou para trás até encostar-se à penteadeira, onde um porta-retratos mostrava o dia de seu casamento com um Aristeu jovem e sem posses, mas ganancioso o bastante para cair nas graças do sogro.
- Além do mais, tua mulher tinha muuuuito corpo para metabolizar, se é que você me entende – ironizou a loira, fazendo uma fraca tentativa de inchar a barriga tanquinho.
O porta-retratos caiu com estrondo, espalhando cacos pelo chão. Vanessa olhou, assustada.
- O que...
- Caiu.
- Isso é óbvio, mas...
- Esquece isso. Vem cá, deliciosa, vamos aproveitar nossa primeira noite livres!
Bia flutuou pelo jardim, parando ao lado do cadáver que ainda choramingava. Sentiu um súbito remorso por ter tratado seu corpo daquela maneira; o corpo que desconfiava das traições do esposo a cada abraço menos intenso, em todo perfume fraco que seu nariz percebia na roupa, a cada desculpa que roçava seus ouvidos de forma pouco convincente. Sim, seu corpo sabia, mas a alma se recusava a acreditar. Talvez isso explicasse porque estava indo atrás do marido com tanto empenho.
Para fazer justiça.
- Pobrezinha... – disse o espectro, passando os dedos transparentes pela cabeça da carcaça, que ergueu os olhos desconfiados.
- Dói...?
- Chega de dor. Vem, você ainda deve estar com fome. Só não faça barulho.
O defunto acompanhou a socialite fantasma, que abriu a fechadura da frente sem esforço. Estava ficando boa em mover objetos. Subiram a escada sob o som dos gritos de prazer do casal, que se transformaram em brados de pavor quando a entidade cadavérica chegou ao quarto.
- Cérebros?
- Se você encontrar algum nesses dois, querida, pode se esbaldar – falou, dando passagem ao cadáver antes de trancar a porta. Apesar da raiva, o espírito preferiu ficar do lado de fora. Não queria ver aquilo que sua nova amiga faria lá dentro.
Sorrindo enquanto ouvia os crânios sendo estilhaçados, Bia pensou na ironia da situação.
Finalmente havia feito as pazes com seu corpo.
sábado, 19 de março de 2011
História em Quadrinhos - Acontecimento na Estrada
Boa leitura.
domingo, 31 de outubro de 2010
TORMENTO
segunda-feira, 26 de julho de 2010
Suspensão Temporária das Atividades
quinta-feira, 10 de junho de 2010
PERIGOS NOTURNOS
Perigos Noturnos
Pela terceira vez àquela noite, o bebê começou a chorar.
- É sua vez de novo – disse o homem à esposa, que sentou na beira da cama, sonolenta. O lamento infantil continuava vindo pela babá eletrônica, e a mulher olhou para o aparelho como se ele tivesse alguma culpa nisso. Bem, só precisava de mais alguns segundos antes de acordar por completo.
Repentinamente o rádio transmissor ficou silencioso, o que despertou a mãe de imediato. Quando ia levantar, escutou algo que parecia uma mão agarrando a extensão no quarto do nenê. O terror a deixou paralisada por meio segundo, tempo suficiente para escutar uma voz fantasmagórica e dissonante, que escarneceu:
- Devia cuidar melhor do seu filhinho.
Ela correu desesperada, chegando bem a tempo de ver os pezinhos do filho sumindo nas sombras abaixo do berço. Jogou o móvel para o lado e então gritou de horror e descrença.
Nunca mais viu seu bebê.
sábado, 22 de maio de 2010
Quem cambaleia sempre alcança! Os ZUMBIS estão chegando!!!
Amigos, está quase chegando o dia do lançamento do livro Zumbis - Quem disse que eles estão mortos? (All Print Editora, organização de Ademir Pascale) . Fui um dos dois autores especialmente convidados para escrever um conto no livro, e tenho muito orgulho da minha história Meu Inferno sou Eu, escolhida para abrir a coletânea. O evento será no dia 06 de junho, a partir das 17:00 na Ludo Luderia, Rua 13 de Maio, número 972, Rua Bela Vista, São Paulo. A entrada é franca.
Estarei lá, aguardando sua presença para trocar umas idéias sobre terror, filmes, livros, mortos-vivos e todos esses assuntos que adoramos. E é claro, quem quiser comprar o livro na hora, ganha autógrafo meu e de todos os escritores presentes. Qualquer dúvida, é só perguntar nos comentários. Veja o convite abaixo para mais detalhes:
Grande abraço, e até mais!
quinta-feira, 20 de maio de 2010
Leia um miniconto meu na e-zine Flores do Lado de Cima
Olá! Lembram do concurso de minicontos que falei, que consegui me classificar entre os 20 primeiros? Bem, aqui está a edição especial da zine Flores do Lado de Cima, trazendo os minicontos vencedores. Quem quiser baixar para ler o meu miniconto (e todos os demais, que estão excelentes e muito bem escolhidos!), você encontra o arquivo clicando aqui. Abraços, até mais!
quinta-feira, 13 de maio de 2010
Eu, eu, eu!
Pra começar, o blog Criando Testrálios (sobre o mundo da fantasia) publicou uma entrevista minha, que pode ser lida clicando aqui. Além disso, o mesmo blog está fazendo um concurso com o livro Invasão, antologia de contos sobre invasões ao planeta Terra. Os contos são, em sua maioria, de Ficção Científica, mas o meu puxou um pouco para o terror também. Então, se quiser ganhar um exemplar, clique aqui e confira as regras!
A antologia Zumbis - Quem disse que eles estão Mortos? (All Print, organização de Ademir Pascale) está quase saindo do forno. O lançamento será dia 06 de junho, a partir das 17:00 na Ludo Luderia, Rua 13 de Maio, número 972, Rua Bela Vista, São Paulo. Se não der nenhuma zebra, eu estarei presente! Então, é mais uma chance para você me conhecer! Uh-húl! (calma, não precisa pular tanto de alegria...). Veja o convite abaixo para mais detalhes, espero que dessa vez PELO MENOS UM LEITOR DOS MEUS BLOGS compareça!!!! Huahauaha!
Por fim, o escritor e ensaista Roberto de Souza Causo escreveu uma matéria para a revista americana Locus, uma importante publicação sobre Ficção Científica.
Na reportagem, temos um panorama muito exato da literatura fantástica nacional, seu recente crescimento de uns anos pra cá, etc. Além de citar alguns dos livros lançados recentemente, Causo também citou o nome de alguns escritores... entre estes nomes, está o meu!!! (fazendo a dancinha da vitória enquanto digito isso). Caso queiram conferir se não estou inventando (seus desconfiados!), clique no scam da página abaixo, onde meu nome é citado. Está ali na terceira coluna, algumas linhas abaixo da palavra Invasão (em negrito). E quem quiser conferir a matéria completa, basta clicar aqui.
Por fim, o blog MedoB começou a publicar, além das minhas resenhas, meus contos. O primeiro conto postado O Lençol (que muitos de vocês já devem conhecer) foi muito bem recebido e está gerando muitos comentários, na maioria positivos, um ou outro negativo. Se quiser conferir a repercussão, basta clicar aqui.
Um grande abraço, e até mais!
domingo, 9 de maio de 2010
NÃO HÁ MONSTRO ALGUM
Não há monstro algum!
- Tia, tem um monstro embaixo da minha cama!
- Não há monstro algum! Já olhei, já mostrei, então chega. Vê se dorme!
Sem remédio, a menina observou a luz do corredor afinando enquanto a porta era fechada. Quando tudo ficou escuro, ela puxou o cobertor até a cabeça, chorando baixinho.
Após alguns minutos escutou o som novamente, aquele ronco suave que fazia o colchão vibrar. A tia havia dito que era apenas o encanamento, então se apegou a isso com toda força, murmurando: São os canos, os canos, os...
Aos poucos, sentiu seu lençol ficando úmido. Teria urinado? Não, não era isso, o material em que estava deitada é que se molhava sozinho. Com horror, percebeu que jazia sobre algo parecido com uma língua gigante.
Uma garganta rodeada por dentes podres se abriu no colchão, engolindo a garotinha antes que tivesse tempo de gritar.
- Falei que não tinha nada embaixo da cama – falou a tia ao entrar, alisando o móvel que soltava um arroto satisfeito. – Nenhum monstro ousaria.
terça-feira, 20 de abril de 2010
A ÚLTIMA VONTADE
Aos poucos as pancadas foram parando, até se reduzirem ao silêncio inquietante. Após bastante tempo sem ouvir nada, a criança conseguiu adormecer.
Na manhã seguinte, a luz salvadora entrou pela janela quando a mãe afastou as cortinas. A menina pulou para o chão e olhou embaixo da cama, pois se estivesse sozinha, não teria coragem de conferir.
Berrou ao ver a face do lobisomem. Sua mãe foi olhar e fez o mesmo.
Em desespero, puxaram para fora o irmão mais novo da garotinha. O menino de cinco anos ainda usava a monstruosa máscara de borracha que, de alguma forma, o sufocara. Certamente, ele havia se arrastado até ali embaixo durante a madrugada, para pregar um susto na irmã.
Ao menos, sua última vontade havia se realizado.
Resultado do 2º Concurso de Minicontos do Estronho e Esquésito
Enfim, concorri com três minicontos. Um dos que não ganharam nada, vou publicar aqui no blog (está logo acima!). Logo logo, o Estronho vai publicar os contos vencedores, então eu trago o link para vocês conferirem. Abraços, boa leitura!